Dos nossos heróis e heroínas negros e negras brasileiros
A resistência de Palmares remete-nos a inúmeras reflexões. Há uma intensa profundidade emocional, quando lidamos com este tema ancestral. A historiografia brasileira deve muito ao povo negro deste país. Por negar sua humanidade e, ao longo da história, feitos atribuíveis à sua excelência, colocou homens e mulheres negros sob o ostracismo da civilização ocidental moderna.
Lamentavelmente, todos os heróis e heroínas negros compõem um quadro invisibilizados, quando não de segunda categoria, em livros e paradidáticos, ampla literatura e nos meios de comunicação. O espaço necessário para a fruição de outro entendimento do período escravocrata brasileiro que não seja o da história oficial ainda resiste em ser oferecido. Não há visibilidade às realizações de nossa negritude histórica, em particular as de Palmares.
Festas Negras
A princípio, os famosos bailes black e outras festividades negras eram vistos pela juventude como espaços de lazer. A política estava muito mais na atitude (gírias, roupas e cabelo) do que, propriamente, no discurso.
O fato é que bailes e festas sempre fizeram parte da vida da população negra. A musicalidade e o ritmo são singulares atributos à maioria das culturas tradicionais africanas, e esta herança é expressa de diversas formas por afro-brasileiras e brasileiras. Desde o pós-abolição (1888), as diversas entidades que se formaram para sua organização tiveram nestes mesmos bailes e festas – o carnaval é, certamente, sua manifestação mais popular – uma expressão importante de lazer e sociabilidade. Impedidos(as) de entrar em festas de brancos, afrodescendentes de todo país e da diáspora construíram seu próprio campo de entretenimento. A Frente Negra Brasileira (1931) contava com, por exemplo, o grupo Rosas Negras, que organizava grandes festas na década de 1930. Estas celebrações tinham não só um caráter recreativo, como também cultural e pedagógico, pois havia palestras, apresentação de grupos de teatro e outras atividades culturais.
Dreads, Rastafári e Cultura de Resistência
Movimento rasta ou rastafári é o nome de expressão religiosa nascida na Jamaica na década de 30 do século 20. Seus seguidores e seguidoras são caracterizados(as) pela adoração a Hailé Selassié, primeiro imperador negro a governar um país africano. Seu período imperial deu-se na Etiópia entre 1930 e 1974, e Selassié é considerado a manifestação ressurrecta de Yahshua (Jesus) e, portanto, a reencarnação de Jah (Jeovah ou Deus). De acordo com a filosofia rasta, o nascido Tafari Makonnen vai conduzir os eleitos à criação de um mundo perfeito, Zion, paraíso dos rastas e, para lá chegar, seus e suas adeptas e adeptos deverão rejeitar a sociedade capitalista moderna, chamada por eles de Babilônia, vista como corrupta e impura.
Juventudes Negras Vivas
A sociedade brasileira é, em sua grande maioria, racista. Embora representem entre 54 e 56% da população, pessoas negras (pretas e pardas) não ocupam proporcionalmente as mesmas vagas de trabalho e não têm as mesmas oportunidades. Negros e negras são vítimas de um preconceito de tipo racial(ista) que se perpetua por séculos. Mulheres e homens, crianças e adolescentes negros e negras são marginalizados.
Teatro Experimental Do Negro (TEN) - Legados E Insurreições De Abdias Nascimento
Abdias Nascimento (1914-2011) trouxe para o teatro a dimensão política da resistência negra. Idealizado pelo intelectual, ressaltando sua pioneira atuação na contemporaneidade brasileira, o Teatro Experimental do Negro (TEN) atuou como uma rede de articulações e ativismos ao antirracismo negro entre os anos de 1940 e 1960. O poeta, ensaísta e teatrólogo teve seu contato definitivo com as artes cênicas durante as viagens que fez ao lado do grupo de poetas da Santa Hermandad Orquídea, fundado no Rio de Janeiro, em 1939, e integrado pelos argentinos Godofredo Tito Iommi, Efraín Tomás Bó e Juan Raúl Young, além dos brasileiros Gerardo Mello Mourão, Napoleão Lopes Filho e o próprio Abdias.
Em viagem realizada pela irmandade em 1941, Abdias assistiu ao espetáculo "O imperador Jones", do dramaturgo Eugene O'Neill (1920), na capital do Peru (Lima). Na peça interpretada pelo grupo argentino Teatro del Pueblo, um ator branco envidava o protagonista com o rosto pintado de preto, uma prática racista chamada "blackface", de representação exagerada de personagens negras popularizada nos Estados Unidos do século XIX (19).
O Ipeafro, de estudos e pesquisas afro-brasileiros, foi criado em 1981 por Abdias Nascimento e Elisa Larkin Nascimento, sua companheira e hoje viúva, após o exílio de 13 anos de Nascimento por conta da cerrada repressão da ditadura civil-militar no Brasil. O Instituto surgiu com a missão de guardar o acervo artístico e documental de Abdias e das organizações que ele fundou, a saber, o Teatro Experimental do Negro (TEN, 1944-5) e o Museu de Arte Negra (1950).
Em momento improvável para a criação de iniciativas transformadoras, no qual o país enviava um efetivo de 25 mil homens à Segunda Grande Guerra (1939-1945) e amargaria a baixa de 454 soldados, nascia, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro (TEN), em 13 de outubro de 1944, com a proposta de resgatar a cultura negra, afro-brasileira e trabalhar a valorização social do negro território nacional por meio da educação, cultura e arte.
Fontes de pesquisa: Alma Preta, Teatrojornal, Cultne TV, Iná Livros, Multi Rio e Por dentro da África.
Infância Preta - Por Uma Negritude Positiva
A educação antirracista descontrói, já na infância, o racismo antinegro. Os reforços positivos em torno da própria imagem e da de seu grupo nos primeiros anos de vida são fundamentais para a construção da autoestima de uma pessoa; discutir o racismo e a opressão racial nesta idade tem impacto profundo no processo não só de construção da identidade/subjetividades de crianças negras, como também de suas congêneres não negras.
A educação é um dos campos da atuação e presença sociais em que o racismo é mais reproduzido e perpetuado. As primeiras pessoas a sentirem os efeitos da discriminação racial nestes espaços são as crianças negras, que podem ser apresentadas a um conhecimento (branco-)eurocêntrico descredibilizador da história e ancestralidade pretas no mundo, prejudicando, já em tenra idade, seu desenvolvimento pleno. Quando a escola e outras instituições concorrentes estruturam políticas comprometidas com o antirracismo, a sociedade, como um todo, ocupa papel central na transformação desta realidade.
Fontes de pesquisa: Portal Lunetas, Mundo Negro, Revista RAÇA Brasil, Preta Pretinha e Veja Saúde.
Cultura Negra, "BLERDS" (Black nerds) e Afroficção
O afrofuturismo usa a literatura e as artes gráficas, a música e a dança, o cinema e a televisão para imaginar pessoas negras em um futuro que lhes foi negado. Estes atos de reparação são mais do que entretenimento, embora também precisem, e devam, ser divertidos. Mesmo em futuros imaginários, entretanto, defendem autores e autoras de ficção especulativa afrofuturista, devemos fazer um balanço do passado e assentar o presente.
O grande passo para a população negra nerd rumo à ocupação, apropriação e habitação de seu próprio corpo é a autodeclaração. Esta postura contra as "tendências de combinação", chacotas e a "sombra do cool", que afirma a legitimação de nossos corpos como suportes desta identidade (mal catalogada pelo Google Imagens, por exemplo), é o verdadeiro passo contra o isolamento (síndrome de smurfette; tokenismo), contra o estereótipo de "negritude autêntica" e, ao mesmo tempo, contra a imagem única de que só podem ser nerds os clássicos clichês dos anos 1980.
Sem dúvidas, reivindicação é uma das formas de afirmação das subjetividades. Afinal, a função da pessoa negra em uma sociedade racista é voltar sua atenção ao afeto para com os seus, as suas e a própria individualidade. Não é mera questão de visibilidade entre um e outro mercados – o capitalismo não é solução à desigualdade social –, mas, sim, de quebrar o silêncio, autodeterminar(-se) e compreender o potencial do poder de agência. Resumindo: a consciência negra e nerd é o ápice do empoderamento do sujeito ou sujeita que habita o corpo negro fora dos padrões de beleza, fora dos padrões de consumo e de uso da tecnologia (comprar a mesma coisa não significa consumir, compreender e entreter-se da mesma forma).
Fontes de pesquisa: Razões para Acreditar, Aminoapps, Gibizilla, Teia Neuronial.
Imprensa Negra Brasileira - De "O Homem de Cor" (1833) Ao Midiativismo Digital
O fortalecimento das mídias negras no Brasil tem levado em consideração que estes mesmos canais são espaços fundamentais para potencializar as narrativas e denúncias contra o racismo antinegro e seu projeto de genocídio à população negra.
Utilizando-se das ferramentas disponíveis e da tecnologia, como jornais-mural e eletrônico, revistas, pôsteres, mídias comunitárias e redes sociais, coletivos de mídia negra incidem suas narrativas em todos os cenários, ampliando as tensões. É a partir de estratégias aí elaboradas que estes grupos têm reafirmado o lugar político de fazer comunicação, ressignificando seu sentido social e pedagógico no Brasil e propondo-a centrada nos agenciamentos políticos.
Diante de contexto adverso, no qual a democratização e a regulamentação midiáticas ainda soam distantes, iniciativas criadas por comunicadores negros e negras para socializar as suas demandas, percepções, projetos e estratégias coletivas de luta têm mostrado-se um caminho possível. Por meio delas, é possível pensar em reapropriação das narrativas sobre negritude, na garantia do livre pensar/expressar e a geração de impactos, sobretudo políticos, que afetam diretamente as condições de vida e existência da população negra brasileira.
Fontes de pesquisa: Brasil Escola, Ensinar História, Biblioteca Nacional Digital - Brasil, Observatório da Impressa, Nexjor e O Menelick 2º Ato.
Bissexualidades Negras
A bissexualidade consiste em um espectro da sexualidade no qual o desejo sexo-afetivo e/ou romântico é orientado a pessoas de dois ou mais gêneros, cis e/ou transgêneras. Tal expressão entra em choque com as normas preestabelecidas em torno da (cis)heteronormatividade monossexual e, por isso, é reprimida e invisibilizada pelos setores mais conservadores, pois seu interesse é a manutenção da moral hegemônica. Entre heterossexuais e mesmo parte da comunidade LGBTIAPN+, a monodissidência bissexual é vista como opção daqueles(as) que buscam a promiscuidade e preferem manter-se na indecisão.
Ao passo que as duas especificidades se relacionam – aqui, negritude e bissexualidade –, há uma agudização distinta das barreiras já enfretadas pela pessoa negra, mulher ou homem, em quaisquer relações interpressoais/com outros grupos e, neste sentido, certa solidão afetiva historicamente imputada intensifica-se. A necessidade binária daqueles e daquelas que rodeiam, especificamente, a mulher negra bissexual – cuja agência, por força do racimachismo patriarcal, já é perturbadoramente suprimida –, é fruto da falta de informação proposital dos meios de dominação ideológicos e/ou da incompreensão de aliadas e aliados na luta pela insubordinação às opressões correlatas.
Fontes de pesquisa: Esquerda Diário, Alma Preta e Brasil de Fato.
Mulheres e Homens Negros Viajantes e Afroturismo
Além de ser o ano em que uma pandemia varreu o mundo, 2020 foi também o grande ano das discussões e debates antirracistas. Desde então, falar de pautas raciais, ações afirmativas fez-se – e faz-se – cada vez mais necessário, e o turismo não poderia ficar de fora, uma vez que movimenta uma cadeia muito extensa de fornecedores – desde o artesão na beira da praia até o(a) piloto das companhias aéreas.
Para viajantes negros e negras, o turismo afrocentrado é uma oportunidade de conhecer a história negro-africana e afro-brasileira, por onde nós, pessoas negras, já passamos e de sentirmo-nos mais acolhidos(as), já que proporciona conexão ainda mais estreita com os territórios visitados e as pessoas, também pretas e pardas, que promovem a experiência, outros(as) participantes e residentes locais dos destinos escolhidos.
Levando-se em consideração que nós, pessoas negras, perfazemos 56% da população brasileira, o turismo etnorreferenciado nacional destaca-se, especialmente, por resgatar as nossas histórias. Ele mostra para turistas estrangeiros(as) e brasileiros(as) o quanto, além da população local, africanos, africanas e seus, suas descendentes têm participação central na construção deste Brasil, em todas as suas paragens.
Fontes de pesquisa: Fundação Cultural Palmares, Catraca Livre, Estadão, DW e Egali.
Anticapacitismo Negro e a Luta Negra - PcD
O capacitismo é um problema em nossa sociedade. Pessoas com deficiência (PcD) são, muitas vezes, invisibilizadas na imprensa, na publicidade, no mercado de trabalho e na arte. Mesmo após diversas batalhas por mais inclusão, ainda existem reparações necessárias e lutas a serem travadas por e para esta população.
À frente da luta por acessibilidade e visibilidade, mulheres com deficiência ocupam espaços na internet e nas ruas. De diferentes cores, etnias, sexualidades e histórias, elas celebram a pluralidade e reafirmam que ninguém pode ou deve ser reduzido(a) à sua deficiência. Cada uma a seu modo, todas, todos e todes seguem em marcha contra o capacitismo — atitudes discriminatórias, conscientes ou não, que subjugam a autonomia de alguém e revelam o preconceito contra pessoas com deficiência.
Em todo o mundo, mais de um bilhão de pessoas vive com algum tipo de deficiência, segundo relatório das Nações Unidas (ONU) de 2018. Por aqui, no Brasil, cerca de 8,4% dos brasileiros (17,3 milhões de pessoas) acima de dois anos de idade tem alguma deficiência, de acordo com dados divulgados em 2021 pelo IBGE. Mesmo representando uma parcela significativa da população, pessoas com deficiência convivem com uma série de vácuos no escopo de políticas públicas, violência esta (institucional) retroalimentada pela ausência de representatividade midiática, estética que reverbera mesmo em espaços ditos plurais, como movimentos sociais.
Indivíduos com deficiência são tratados como notas de rodapé, sempre associados à nuvem semântica da acessibilidade — que muito mais faz segmentar do que incluir. Associadas a um viés assistencialista nas pautas, PcDs aparecem nestes discursos como sujeitos e sujeitas de uma cidadania passiva, sempre à espera de uma pessoa — de corporalidade normatizada como funcional, de preferência — que as inclua nos espaços. É sob a falsa premissa de inclusão que, mesmo no espectro progressista, pessoas com deficiência são tidas como existências excepcionais — um fenômeno que a luta antirracista reconhece e debate com propriedade, como mostra-nos o conceito da síndrome do negro único.
Mulheres Negras no RAP
Enquanto as afro-estadunidenses ocupam, gradativamente, espaços de poder, decisão e ampla circulação no rap, as rappers brasileiras ainda enfrentam desafios maiores na indústria. Machismo do público e da produção, falta de investimentos do setor e descredibilização do trabalho de mulheres são alguns dos percalços encontrados por elas.
O racismo evidencia-se maléfico para a população negra e, quando combinado com gênero, resulta que mulheres negras tenham suas vidas e carreira na cena hip hop condicionadas por estes marcadores sociais da diferença (raça e gênero), construindo espaço geográfico e territórios de atuação e recepção distintas de outros grupos sociais.
Fontes de pesquisa: UOL, Revista Esquinas, Carta Capital, Zonas Urbanas, Revista Gama, Veja Rio, Preta Joia, Fofoqueando, Igor Miranda, Yahoo e G1.
Mulherismo Afreekana e Feminismos Negros - Convergências e Possibilidades
Um movimento de resgate, de recolocação do povo preto no mundo diferencia-se dos movimentos de mulheres do Ocidente, lutadoras da igualdade de gênero; do feminismo negro, ou dos feminismos negros, que inclui(em) a questão de raça e classe – como marca a filósofa negra Angela Davis (1944-) em seu livro "Mulheres, raça e classe" (1981; BOITEMPO, 2016) –, e do mulherismo da estadunidense Alice Walker (1944-), autora de "A cor púrpura" (The Color Purple, 1982), que, em âmbito literário, não prioriza a discussão de gênero, mas antes de raça e classe.
Mulherismo afreekana (lê-se "africana") é uma proposta política cunhada já no final da década de 1980 pela professora afro-estudanidense Clenora Hudson-Weems (1945-) – e depois sistemizada em "Africana Womanism: reclaiming ourselves" ("Mulherismo africana: recuperando a nós mesmas", 1993) –, que faz uma investigação epistemológica de como as mulheres africanas organizavam-se antes do período colonial e compreendiam suas experiências culturais e históricas antes dos atravessamentos, nomenclaturas e perspectivas construídas no pós-colonização.
Nessa investigação, Hudson-Weems depara-se com uma experiência antes não investigada: a de auto-organização feminina sob a perspectiva africana. A autora relata ter apenas compreendido, refletido e organizado em letras os sistemas de organização e gestão comunitária, coletiva das mulheres do continente, que figuravam à frente de seu povo, a partir da matrilinearidade e, por isso, consideradas os centros vitais e organizacionais daquela coletividade.
As mulheres organizavam toda a estrutura de seu povo. A partir desta noção, Hudson-Weems estabelece o conceito "mulherismo afreekana", que trata de uma proposta emancipadora sobre o lugar participativo das mulheres negro-africanas na história, identificando-as enquanto agentes de poder e decisão, sabedoria e luta.
O mulherismo afreekana reflete, e reflete-se, a partir da própria agência, ou seja, das agências de mulheres pretas africanas e em diáspora em sua localização de mundo, como seu próprio epicentro. Neste sentido, nada que não tenha sido embrionariamente pensado pelas mulheres negras em e a partir de África pode dar conta de sua totalidade, espiritualidade e ancestralidade. Diferentemente das lutas feministas de gênero, a perspectiva mulherista afreekana de restabelecimento da emancipação e autonomia do povo preto faz compreender a centralidade da raça na violência dirigida pela colonialidade sobre os corpos das mulheres e homens negros como realidade da vida no mundo ocidentalizado. Esta particularidade do mulherismo afreekana destaca-se ainda por entender que homens negros também fazem parte dos processos de violência construídos pelo racismo, porque uma vez tornados engrenagem subalternizada para a continuidade do poderio branco. Os homens pretos fazem-se, então, parte do debate, igualmente responsáveis que são pela reconstrução de sua identidade subtraída pelo processo colonial.
O mulherismo afreekana é, portanto, uma alternativa para entender, refletir e agir rumo à saída da Maafa [neologismo político usado para descrever a história e os efeitos contínuos das atrocidades infligidas ao povo africano] ocidental em que vivemos. .
Fontes de pesquisa: Mundo Negro, G1, Primeiros Negros, A gazeta e Oxy.
Grifes Negras: Revolução e Luta Política
O Brasil está no ranking dos maiores produtores e consumidores de moda do mundo. O mercado, que movimenta cerca de R$136 bilhões por ano no país, está entre as áreas mais promissoras da atual economia. Inserida neste contexto, a moda afro-brasileira brinda-nos com diversos artigos expressivos da afirmação e a valorização das culturas e identidades africanas presentes no Brasil.
A ausência de negros e negras nas passarelas não é novidade. A falta de representatividade desenrola-se nas coxias desde que a indústria viu-se obrigada a rever, (também) aos olhos da lei, a imagem demasiado branca que vendia a um país de ascendência indígena e negro-africana.
Já nos backstages (bastidores), a "beleza" parece ter entendido, finalmente, a diversidade dos vários tons e subtons de pele existentes, uma vez que mulheres negras sempre enfrentaram a falta de atenção do mercado da beleza. A passos largos, algumas marcas, como MAC Cosmetics, O Boticário, Dior e Fenty Beauty – marca da cantora Rihanna, que lançou 40 tonalidades diferentes de base –, foram mais rápidas em termos de inclusão.
Uma base pensada para a pele negra (clara e retinta), um turbante que revela sua identidade ou um vestido que comunica um pouco de sua história... Na moda ou na beleza, mulheres transformam roupas, acessórios e itens de maquiagem em instrumentos para falar de suas origens.
Fonte de pesquisa: Mundo Negro.
Lesbianidades Negras - Amar e Reexistir Lesbinegros
As identidades como desenvolvimento social possuem interpretações e provocam sentidos, ou seja, são construções históricas. Estas construções favorecem a continuação de privilégios e da ordem social hegemônica que estimula a misoginia e a repulsa às "corpas" das sapatonas e de suas sexualidades. Assim, as identidades e subjetividades negras lésbicas tornam-se vítimas de discriminações cumulativas geradoras da invisibilidade e do extermínio por fim físico, o chamado "lesbocídio", forma particular de feminicídio (violência praticada contra mulheres em razão de seu gênero) às mulheres lésbicas/sapatonas. A prática, aliás, secular, tem sido apoiada pelo Estado necropolítico e amplamente tolerada pela sociedade brasileira raci-heteropatriarcal lesbofóbica.
Este exercício é construído em conformidade a um processo histórico de apagamentos, silenciamentos, invisibilidades e da hecatombe das vidas de mulheres negras lésbicas/sapatonas no Brasil. No campo do marco conceitual ou referencial teórico, a discussão perpassa pela "interseccionalidade", eixo teórico-metodológico e analítico originalmente estadunidense, porém abrasileirado, a partir da obra da intelectual negra baiana Carla Akotirene (2019), que tem sido profundamente elogiada pela crítica cirúrgica à branquidade acadêmica e epistemicida dos saberes negro-africanos, afrodescendentes, indígenas e dissidentes sexuais.
A opressão interposta pelo racismo condiciona, portanto, a marginalização social de mulheres negras no geral e, em particular, de mulheres negras lésbicas/sapatonas, em que estereótipos racistas e lesbofóbicos como, por exemplo, o da "negra raivosa", responsável por provocar a violência contra seus próprios corpos e corpas, redundam no feminicídio lesbocida negro. A fragilidade e a proteção social dedicada às contrapartes brancas são negadas pela sociedade e o Estado a diferentes categorias de mulheres e expressões sexuais.
Fontes de pesquisa: Gama Revista, Revista Claudia, Geledés e Fundação Palmares.
Paternidades Negras
A paternagem preta não pode ser analisada do mesmo lugar que as paternidades brancas. O primeiro passo é desconstruir a paternidade, e a parentalidade, de forma geral, como movimentos singulares. As paternidades ocupam lugares distintos nesta arena. Analisar as paternidades sem recortes de raça, classe e gênero é esforço vazio e desnecessário. A interseccionalidade é conceito importante e ponto de partida à compreensão dos distintos exercícios das paternidades.
Se este homem negro sobrevive para paternar, quando o pode e consegue, ele depara-se com o desafio de ser pai ou cuidador e ter de ensinar seus filhos e filhas a conviver com o racismo antinegro, ou seja, precisa ainda criar um repertório de paternagem mais vasto que o de uma pessoa branca – sim, no Brasil e em outras paragens da diáspora negro-africana, a superestrutura racista aplica sobrepesos aos ser e existir pretos.
Criou-se certa premissa de que pais negros são mais ausentes na vida dos filhos e filhas. Condições socioeconômicas adversas destes genitores/cuidadores que, eventualmente, não convivam com seus rebentos e rebentas e, portanto, não possam vê-los(as) com frequência ou prover bens de consumo e educação forjaram a imagem de não valorização do paternar pelo homem negro. "Não conheço dados que apontem essa situação de ausência. Tanto homens negros quanto brancos apresentam situação de ausência em relação aos seus filhos. Acredito que essa situação aconteça também pela falta de planejamento, e isso acaba gerando um problema muito sério para a mulher, que assume a criação sozinha. Agora, famílias desestruturadas podem ser mais recorrentes em espaços que apresentam rendas abaixo dos índices de pobreza, e isso afeta diretamente a comunidade negra por não ter ainda atingido um grau de escolaridade que a/nos permita melhores rendimentos. E a situação da falta de perspectiva, com desemprego e abuso no uso de álcool e drogas, é fator que pode explicar essa situação", opina Leonardo Bento, pai de Aísha, de cinco anos, Naíma, de três, em reportagem de Mayara Penina para o Portal Catraca Livre.
Julho das Pretas - Tradição, Persistência e Ancestralidade
No dia 25 de julho, celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana, Caribenha e da Diáspora - alusão I Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Caribenhas ocorrido em Santo Domingo, República Dominicana, nesta mesma data de 1992 -, além do Dia Nacional de Tereza de Benguela, que relembra a luta e resistência quilombolas de Quariterê (MT) sob a liderança de Rainha Tereza (1730-1770) em Lei Federal promulgada pela ex-presidenta Dilma Rousseff (Lei 12.987/2014). Em razão disso, para muitas instituições e por muitas pessoas, o período abrangido pela série de celebrações em torno da efeméride é conhecido como o Julho das Pretas.
Marcar o mês com atividades ligadas aos debates sobre as opressões racial, de gênero e classe, a ascensão e inserção de mulheres negras cis e trans, por exemplo, na política foi parte da estratégia adotada para trazer reflexões necessárias acerca do do lugar ocupado por esta parcela da população ao conjunto da sociedade brasileira, ao passo que, simultaneamente, articulações multissetoriais pelo enfrentamento desta realidade são reelaboradas e discutidas.
Nosso posicionamento também é resultado da certeza de que, quando mulheres negras forem efetiva e proporcionalmente representadas, a consolidação democrática à brasileira sempre tentada estará efetivada, porque sob os princípios da justiça e reparação raciais.
Nossa convidada Fátima Lima, antropóloga, Professora Associada do Centro Multidisciplinar UFRJ – Macaé, nordestina, colaboradora da Casa das Pretas e coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa ORI - Grupo de Estudo e Pesquisa em Raça, Gênero e Sexualidade/CNPq, afirma: "Tem muita produção de mulheres negras para a gente conhecer e aprender!".
Jaqueline Gomes de Jesus, professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (DIHS/ENSP/Fiocruz), fala sobre sistema acadêmico e a importância da educação diversa.
Nossa convidada Raquel Barreto, historiadora e pesquisadora especializada no trabalho das autoras Angela Y. Davis (1944) e Lélia Gonzalez (1935-1994), fala sobre o movimento negro e a produção de conhecimento de intelectuais negras, citando Lélia Gonzalez (1935-1994) e Beatriz Nascimento (1942-1995) como principais referências históricas.
Melina de Lima, historiadora e neta da grande intelectual e ativista Lélia Gonzalez (1935-1994), coautora do Projeto Lélia Gonzalez Vive e Diretora de Educação e Cultura do Instituto Memorial Lélia Gonzalez (início em breve), fala sobre filosofia africana, produção intelectual-teórica de mulheres negras, suas contribuições históricas aos movimentos negro e feminista e a falta de democracia racial no país.
Nossa convidada Idelzuíta Ribeiro da Paixão, matriarca e neta dos fundadores do Quilombo Mimbó, na zona rural de Amarante (PI), conta-nos sobre a história de sua família e construção do Quilombo Mimbó.
Fontes de pesquisa: Geledés, Brasil Escola e G1.
AGRADECIMENTO: O Canal Preto gostaria de agradecer a participação de nossas convidadas.
Muralismo, HQs e Arte Gráfica Negros
A representação de negros e negras nas artes brasileiras em geral (literatura, pintura, teatro, cinema, música popular) deixa muito a desejar. Um dos questionamentos mais frequentes feitos pelos afro-brasileiros e brasileiras é o de que não são representados(as) como personagens individualizados(as) e profundos(as), mas tão só arquétipos e estereótipos. Observa-se que a imagem do negro ou negra é e foi apresentada, por diversas vezes, de maneira superficial e estereotipada, quando não ainda pautada na depreciação, minimização ou negação existencial.
É fato que o mercado de arte tem direcionado-se nos últimos anos, finalmente, à produção de artistas negros, negras e não brancos(as), o que pode ser visto como uma tendência de reversão de uma longa história de negligência ou simplesmente meio de satisfazer o voraz apetite do capitalismo comercial do setor por "novos produtos". Apesar ou não deste debate, há muito o que ser celebrado quanto à valorização e ao reconhecimento de múltiplas representatividades e suas narrativas.
Desejo coletivo é que as meninas e meninos negros, e também não negros, de nosso país abram um livro, vejam a arte de um(a) igual ou conheçam a história de um artista negro ou negra. Outro desejo ainda é que aquela criança preta, e também não preta, do bairro possa se inspirar ao ver imagens positivas/positivadas da mulher e do homem negros grafitada nos muros ou no centro da cidade, incluindo-se as representações visual-conceituais de outras etnias e raças. Deste equilíbrio de valores, poder e bens em nossa sociedade, os padrões de beleza midiáticos e/ou de todas as comunicações de massa serão, porque diversos, multiculturais.
Funk: Festas, Moda e Economia Criativa
A repressão policial faz parte da realidade dos bailes de subúrbio, sobretudo negros, desde a década de 1970. Os bailes passaram do soul para o 150bpm, mas a cultura negra segue criminalizada no Rio de Janeiro, em São Paulo e outros estados do Brasil.
O funk carioca aparece na década de 1980. Sua origem é a mistura das batidas eletrônicas do hip hop, da poesia do rap e da habilidade de DJs em mesclar batidas repetitivas com a melodia. A temática das letras está ligada diretamente ao cotidiano da favela ou do subúrbio. Atualmente, o funk se divide em diversos subgêneros, como funk melody (de temática romântica e sem apelo considerado explicitamente sexual), funk ostentação (linha que exalta a riqueza e certa vida luxuosa), funk proibidão (cujo retrato é, majoritariamente, o da realidade de comunidades e favelas sob o tráfico de drogas) e new funk (que une funk ao dance-pop).
O funk ainda é rejeitado, quando não criminalizado, em razão do racismo antinegro e do preconceito de classe. A rejeição vai além da barreira do gênero musical, pois trata-se de ritmo que incomoda, principalmente, a parcela da sociedade (branca) historicamente privilegiada. O funk é uma manifestação cultural das massas, do povão e, sobretudo, da juventude negra, pobre e favelada.
É importante ressaltar que outras produções culturais criadas no bojo dos movimentos negros brasileiros e/ou da diáspora negro-africana também já foram criminalizadas no passado, como a capoeira, o samba e o rap. Diversas outras manifestações culturais são marginalizadas, incluindo-se as religiões de matriz africana e afro-brasileira, como a umbanda e o candomblé, sistematicamente perseguidas até os dias atuais.
MC Zuleide, compositora, comunicadora, poetisa e ambulante do Leme, conta-nos sobre sua vivência como MC e seus sonhos.
Nosso convidado DJ Def Brks, membro e fundador do Grupo Original Flow Kidz, idealista e produtor do Coletivo de DJs VinteRoom, DJ, produtor musical, cultural e criador do "Breaking", formato inovador de Breakbeats BR em fusão com o funk carioca, fala sobre o funk ser popular e acessível.
Luciane Soares da Silva, professora associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), chefe do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (LESCE) e coordenadora do Núcleo de Estudos Cidade, Cultura e Conflito (NUC), fala sobre a criminalização do funk, ação policial e a economia do baile.
Nossa convidada Tássia Seabra, produtora, mulher preta, aceleradora cultural, comunicadora social, roteirista e diretora de diversos videoclipes, fundadora e coordenadora do Coletivo Ibura Mais Cultura e CEO da Agência Seabra, que profissionaliza artistas periféricos independentes para disputar o mercado fonográfico, afirma: "A gente entende que o funk é uma via, uma opção de sobrevivência para jovens negros periféricos longe da violência".
Renata Prado, dançarina, professora, coreógrafa de funk, pesquisadora, produtora, coordenadora da Frente Nacional de Mulheres do Funk e da Academia do Funk e estudante de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), fala sobre o resgaste da cultura do funk, da juventude negra e economia criativa.
Fontes de pesquisa: UOL, El País, Hysteria, Estadão e Brasil de Fato.
AGRADECIMENTO: O Canal Preto gostaria de agradecer a participação de nossas convidadas e convidado.
Cabelo é poder! Ancestralidade, Memória e Revolução Estética
Considerado por muitos e muitas apenas um instrumento estético, o cabelo vai muito além disso. A simples opção por um corte ou penteado diz bastante sobre a personalidade de uma pessoa. Para os negros e negras que, especialmente desde a década de 1950, desfilam com seus Black Power imponentes, o cabelo transcende o campo da beleza e significa um encontro com a identidade, além de uma ferramenta de afirmação. A trajetória do black power tem início ainda nos anos 1920, quando Marcus Garvey (1887-1940), tido como precursor do ativismo negro pan-africanista na Jamaica, insistia na necessidade de romper com padrões de beleza eurocêntricos para, a partir disso, promover o encontro de negros e negras em diáspora com suas raízes africanas. Décadas depois, nos Estados Unidos, o afro também começou a ganhar espaço e se tornou outra das bandeiras protagonistas da luta preta por direitos civis nos anos 1960. No entanto, foram as mulheres negras as mais propulsoras desta história. Condicionadas desde o tempo da escravização a alisarem o cabelo, elas "bateram o pé" e decidiram andar pelas ruas ao natural, causando o espanto, o horror e a reação da comunidade branca.
Há quase 70 anos, a luta da (auto)valorização estética como identidade na diáspora, em que o cabelo e sua naturalidade sobressaem-se aos padrões de beleza ocidentais, consolida-se como instrumento de resistência e cultura. Neste contexto, seja na política ou nas artes, o black power foi e é símbolo que transcende as fronteiras da beleza e significa para o negro e negra o resultado da luta de seus, suas ancestrais pela determinação em manter viva a identidade de quem lutou por direitos. Nesta busca, cabelo é identidade e também símbolo de respeito e autoafirmação.
Nossa convidada Amanda Coelho (Diva Green), mulher preta, mãe, artista capilar, trançadeira, peruqueira e mayakeira, fala sobre suas vivências, beleza e estética negras.
Carolina Pinto, advogada, empresária, gerente jurídica em uma empresa de tecnologia e fundadora do RAS, primeiro salão de luxo especializado em tranças do Brasil, fala sobre o crescimento das transições capilares e o resgaste das tranças.
Vitor Gomes, hair sytle afro, criador e fundador do Príncipe das Tranças, espaço com foco de atuação em cortes e cuidados em cabelos afro, trancista e cabeleireiro afro especialista em cabelos crespos e cacheados, afirma: "Cabelos são resultados de hábitos e culturas. É sobre falar de autocuidado e reafirmar: 'você é bonita sim!'. Trabalhar com estética preta é empoderar".
Nossa convidada Gabriela Isaias, fotógrafa documental, escritora e pesquisadora, doutoranda e mestra em Comunicação e Cultura pela UFRJ, pesquisadora das identidades culturais e estéticas da diáspora africana e autora da reportagem digital "Nesse canto do mundo: a ressignificação das tranças africanas no Rio de Janeiro" (2018) e da dissertação "O comprimento do desejo: cabelos longos e as performances negras do feminino" (2022), fala sobre saberes geracionais e a revolução estética negra capilar.
Fontes de pesquisa: Afreaka, Alma Preta, Fashion Bubbles, Mercadizar, Salão Virtual e Purebreak.
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